Nossa entrevista desta semana é com a Professora Lourdinha, moradora de Extrema há 24 anos, é professora da rede pública, tento também atuado na rede privada. Foi candidata à vereadora pelo PT (Partido dos Trabalhadores), nas eleições de 2019. A professora Lourdinha sempre se interessou por uma educação inclusiva, uma educação para o exercício pleno da cidadania e também elaborou e participou de projetos que visavam a uma educação antirracista. Desde 1997 leciona na Escola Estadual Odete Valadares.
Pergunta: Para iniciar nosso bate papo, gostaria que você falasse sobre o dia 20 de novembro: Dia da Consciência Negra no Brasil. Qual a importância desse dia e como nasce essa data em nosso país?
Reposta: Falando um pouco sobre o Dia Nacional da Consciência Negra, trata-se de uma data muito importante, porque ela homenageia e resgata as raízes do povo afro-brasileiro. É comemorado no dia 20 de novembro. Essa data foi estabelecida em janeiro de 2003, através do projeto de lei 10.639. O dia 20 de novembro de 1695 é o dia da morte de Zumbi de Palmares, grande líder da resistência negra e da cultura pela liberdade. Zumbi é autor da frase “Nascer negro é consequência , ser negro é consciência”.
Quando a gente estuda sobre a escravatura na escola, a escravização do povo negro e depois dos afro-brasileiros, ela não é considerada como um crime hediondo, a história é contado de forma banalizada e isso faz com que toda a história , a memória e as raízes do povo afro-brasileiro seja apagada. Desta forma, é como se escravizar, matar, submeter um povo em condições sub-humanas fosse algo natural. Assim, é importante trazer essa consciência da negritude para que a gente resgate os valores da cultura, as memórias, as histórias do povo negro que foram apagadas.
Ao fazer esse resgate a gente mostra também que quase 400 anos de trabalho gerando riquezas para o país, gerou uma dívida histórica, uma dívida que o Brasil ainda não pagou. Foi produzida uma riqueza para o país, haja visto que o agronegócio até hoje ainda tem um lucro bem alto. E quem e fez esse trabalho no início? Então a gente pensa nesses trabalhos forçados, nessa riqueza que foi gerada e por essa historiografia que não foi feita ė necessário e urgente fazer um resgate porque houve junto com toda essa violência um apagamento histórico também.
Ao falarmos sobre a libertação da escravatura, o que aconteceu com as pessoas que escravizaram, que torturaram que mataram, que se enriqueceram com esse modelo que se assemelha a barbárie. Essas pessoas que fizeram isso não foram punidas e isso não foi visto como um crime e as pessoas que sofreram, que geraram essa riqueza do país ( estou falando a respeito dos afro-brasileiros), elas saíram das condições de trabalho desumanas e foram jogadas na rua e tiveram suas histórias apagadas e logo em seguida o Brasil tratou de embranquecer . Então ao passo que todos esses trabalhadores, antes escravizados, foram jogados na rua. Após toda essa barbárie, chegaram os imigrantes que passaram a fazer parte do de uma outra classe aqui no país . Esses tiveram a sua história contada e valorizada, sabiam dos lugares onde vieram, tiveram direito à terra, a escolarização, faziam parte do “progresso do país” e ao ex escravizados que foram jogados nas ruas, desprovidos de humanidade, sobrou a “ordem” e para que não se rebelassem o Estado se incumbiu de mostrar a eles uma força armada, a opressão, não foram vistos como trabalhadores e sim, muitas vezes como vagabundos.
Assim, os imigrantes que aqui chegaram podiam ter casa, escola para seus filhos, podiam ficar junto com a família e os afro-brasileiros foram jogados na rua, suas famílias foram destroçadas. Há uma política de embranquecimento no país. O ideal de sucesso no nosso país fica mais próximo ao que a gente chamaria, de “Casa Grande”, assim, foi se formando o que chamamos de “classe média”.
Já os negros tiveram que partir da onde foram largados, muitas vezes sem casa, roupa, comida, sem direito a escola, sem acesso à terra, sem acesso a todos os bens que eles proporcionaram ao país, a toda riqueza que produziram, como ouro, café, algodão , cana-de-açúcar.
Pergunta: Quando você fala sobre o embranquecimento da população no Brasil, você sendo professora, que já identificou que dentro do ensino brasileiro existe realmente uma proposta de embranquecer a história do povo negro através da maneira como o conteúdo relacionado ao povo afrodescendente é apresentado. O que é preciso, na sua visão, ser construído para recontar a história do povo negro no Brasil?
Resposta: Como fazer na escola? Primeiro problematizar, então, quando a gente for ensinar, falar sobre escravização do povo negro no Brasil, a gente não deve banalizar. Citarei um exemplo de problematização que se refere aos indígenas: nas cidades onde a gente dá aula, a gente deveria pensar: “Se todo território brasileiro é um território indígena”, como eu posso afirmar que uma determinada cidade começou com a chegada da imigração europeia? Eu não posso pensar assim, porque a maior parte do território é indígena. Olhando para Minas Gerais, em Minas, com a mineração, onde foram parar as pessoas que faziam a mineração em condições sub-humanas? E problematizar essas condições. Se eu não problematizo isso, se eu não pensar em como o país foi formado, eu não possibilito a mudança.
Qual é a nossa tarefa dentro da educação? É problematizar sempre. É refletir. Por exemplo, como se constrói o racismo? Como se constrói a segregação das pessoas? Para isso precisamos trazer as histórias da África de uma outra maneira. Como se constrói, por exemplo, essa ideia de que tudo que é afro é menor. Problematizar sempre, não podemos contar a história da escravização de forma romantizada, com tranquilidade, às vezes até, romantizando.
Pergunta: É uma questão muito profunda para refletirmos. Seguindo nessa linha, queria te pedir para falar um pouco sobre as lutas do povo negro no Brasil, sobretudo da mulher negra.
Resposta: Bem, quando você traz a luta da mulher negra eu penso na luta que ela enfrenta para que os filhos estejam vivos e isso eu digo em vários espaços do país, na zona rural, urbana, no interior, nos grandes centros, em regiões mais industrializadas. A luta para que os filhos fiquem vivos porque a gente sabe que somos alvo. Outra luta é a luta que muitas mulheres negras fazem, por exemplo, para que os filhos possam estudar. Na verdade são várias lutas, não paramos.
No entanto fui levada a pensar sobre o termo “guerreira” que por mim era visto como elogio muito usado para designar a força da mulher, não gosto porque guerreiro quer guerra e nós queremos paz. A gente quer paz, quer amar, quer tranquilidade. Vamos para a luta porque é necessário, então é uma luta que assume várias facetas. Quando eu ouço, por exemplo, “ A primeira mulher negra a ser deputada estadual ou deputada federal no estado de Minas Gerais”. Isso me assusta muito porque estamos em 2021 e só agora. Então quer dizer que continua, esses espaços que foram tirados, eles demoram para serem resgatados é uma ideia de incluir pessoas à margem então é um estudo que todos nós precisamos fazer, negros e brancos também .Porque o ideal do Brasil é a casa grande ainda é a “Casa Grande”. Pensando no que se fazia na Casa Grande no sentido de explorar pessoas, essa exploração ainda continua.
Quando você fala da luta e da mulher negra eu conclamo a luta negros e brancos, essas pessoas que têm consciência do que é humanidade, do que é afro brasileiro, do que é ser brasileiro, no sentido de construir uma sociedade com aqueles ideais que até agora não chegaram aqui “Liberdade, Igualdade e Fraternidade.”
É preciso conclamar negros e brancos para que a gente faça uma sociedade decente onde caibam todos. Eu não quero ouvir alguém dizer: “ A mulher negra sofre.” Eu quero ouvir dizer: “ Como eu faço para ter uma sociedade mais justa, mais humana, mais igualitária?” Por isso é necessário negros e brancos lutando juntos, lado a lado.
Para terminar a minha fala, eu reverencio os nossos ancestrais. A África é a mãe. Eu reverencio os nossos ancestrais e reverenciando os meus ancestrais, reverencio seus sonhos, seus trabalhos, seu conhecimento, sua cultura, sua grandeza, eu acredito que aqui nós precisamos fazer essa luta humanitária, uma luta por uma justa distribuição de renda, por um estado forte, no sentido de acolher as pessoas, uma luta pensando em uma reforma tributária que não penaliza aqueles que já são penalizados. Enfim, há muito o que se fazer.