O ministro Paulo Guedes quer desindexar a inflação para reduzir o valor do salário mínimo pago a trabalhadores e aposentados. Isso favorece bancos e arruína a economia do país, diz Marcio Pochmann.
A bomba que o governo de Jair Bolsonaro (PL) prepara para 2023 revoltou a população e a expressão “não mexa no meu salário” foi parar entre os temas mais comentados do Twitter nesta quinta-feira (19).
A revolta foi com a revelação do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que, se Bolsonaro for reeleito, já tem pronto um plano de desindexação da economia. Esse plano inclui reduzir, praticamente a zero, os reajustes de salários, aposentadorias, pensões, seguro-desemprego, entre outros direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
Para tentar diminuir o desgaste eleitoral, o ministro tentou “enrolar” os brasileiros com o chamado “economês”, palavras pouco conhecidas e utilizadas até por economistas, desconhecidas da maioria da população.
Para tentar defender o indefensável, o ministro ficou repetindo o termo desindexação da inflação, como se isso nada tivesse a ver com redução de salário e mais queda no poder de compra de quem recebe com base no salário mínimo. A verdade é que a proposta do governo é não reajustar os salários, aposentadorias e pensões e outros direitos dos trabalhadores com base na inflação passada.
Hoje, os salários são corrigidos com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que calcula a inflação oficial do país. Desindexar, significa simplesmente eliminar a correção automática de preços e salários. Veja abaixo o que muda no índice de cálculo do reajuste salarial.
A previsão é que esta decisão do governo federal prejudique 75 milhões de pessoas, divididas em 45 milhões pela corrosão do valor real de benefícios sociais, e outros 30 milhões que recebem o salário mínimo, de acordo com o economista Eduardo Fagnani, em entrevista a Carta Capital.
“Haverá uma profunda corrosão do poder de compra do aposentado rural, o aposentado urbano, dos beneficiários do seguro-desemprego”, disse Fagnani.
Ao analisar a proposta, o professor e economista da Unicamp, Marcio Pochmann, lembra que o Brasil tem um dos pisos salariais mais baixos do mundo, e ainda assim o governo se preocupa em reduzir o reajuste que acompanha a inflação para arcar com os custos exorbitantes dessa eleição que Bolsonaro tenta vencer distribuindo auxílios, bilhões ao Centrão, com o orçamento secreto, e provocando um rombo nas contas públicas.
“Como o governo tem de pagar pensões e benefícios de acordo com o salário mínimo, ele tenta agora diminuir seus gastos às custas dos trabalhadores e idosos”, diz.
“O que é preciso fazer é uma reforma tributária com os ricos pagando mais, reduzir as isenções fiscais que são muitas, aumentando a receita e não reduzir os gastos seletivamente nos segmentos mais pobres do país”, prosseguiu Pochmann.
Vem aí mais inflação, desemprego e desigualdade
As consequências nefastas dessa desindexação serão muito piores com o que virá, pois o governo Bolsonaro, além de arrochar os salários e pensões, vai, na verdade, realizar uma brutal austeridade econômica para evitar a explosão da inflação, além de não conseguir segurar os aumentos de preços e do desemprego, avalia o economista.
Pochmann explica que a atividade econômica do país já apontava para uma queda na virada do mês de julho para agosto, tanto que a prévia do Produto Interno Bruto (PIB) para o mês caiu 1,13 pontos percentuais, apesar da distribuição de renda com diversos auxílios, mas que não fizeram a economia reagir.
“A ampliação do gasto público foi feita sem nenhuma sustentação na realidade do país. É obvio que há movimento de artificialismo do comportamento da inflação, da taxa de emprego, mas que não se sustentará porque o governo ampliou seus gastos sem uma base econômica sólida para gerar recursos que paguem o aumento dessa dívida”, diz Pochmann.
O economista alerta que após a eleição deste segundo turno, no dia 30, já em novembro, o governo federal, ganhando ou não as eleições, vai fazer uma profunda austeridade fiscal, de liberação de preços do petróleo, da energia elétrica, desaparecerão os subsídios, e consequentemente a inflação vai voltar com força, obrigando o Banco Central a aumentar os juros, impedimento investimentos e de novo, provocará mais desemprego.
“Por isso que ele quer achatar os salários, com juros mais altos, a dívida pública aumenta. O governo estourou o teto de gastos, autorizado pelo Congresso Nacional, que liberou o orçamento de guerra, para Bolsonaro ganhar as eleições. Ao contrário da esquerda que quer acabar com o teto de uma forma responsável, para investir na geração de emprego e renda, que por sua vez, gera mais arrecadação, o governo Bolsonaro liberou geral, sem saber como vai pagar essa dívida e agora quer colocar a conta para os aposentados e trabalhadores, sem mexer com os ricos”, declarou.
A mudança do cálculo do reajuste
A ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes é passar a usar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado para famílias que ganham até 40 salários mínimos, que costuma ser menor do que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), este último usado para calcular os reajustes do salário mínimo, aposentadorias, pensões e benefícios, que sempre é maior.
Para se ter uma ideia da dimensão da mudança, o INPC de 2021 teve alta de 10,16%, percentual usado na atualização do salário mínimo para R$ 1.212. Caso apenas a meta de inflação de 2022 fosse aplicada, a elevação seria de 3,5%. Se a opção fosse pela expectativa do início do ano para o IPCA em 2022, o reajuste seria de 5,03%, exemplificou o jornal.
Metodologia da ditadura
Na prática, o governo Bolsonaro além de atentar contra a Constituição de 1988 que vinculou os benefícios previdenciários e sociais ao salário mínimo, traz de volta uma prática econômica desastrosa dos governos da ditadura militar, que fez o Brasil ter crescimento na economia, aumentando a riqueza dos ricos, enquanto a população vivia na miséria.
Eduardo Fagnani explicou que entre 1980 e 1984, quando teve crise cambial e inflação, o poder de compra dos aposentados foi reduzido em mais de 50%, o que foi mudado Constituição de 1988, que recompôs a perda salarial daquele período. O estrago foi tamanho que entre 1984 e 1985, mais da metade dos benefícios eram inferiores ao salário mínimo vigente da época.